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 Evaldo Balbino


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Fortuna crítica

A memória: pasto da poesia de Evaldo Balbino*

 

Dr. Sérgio Alves Peixoto, Professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

 

O livro que agora se dá a ler traz em si a esperança de que uma voz poética particular possa vir afirmar-se em meio a tantas outras na literatura brasileira de hoje. Isso, se Evaldo Balbino persistir nessa difícil tarefa que é a de ser poeta verdadeiro, infenso a modismos, e deixar falar sua emoção em ritmo e verso necessários e seus.

Livro de estréia, Moinho traz, em meio a poemas ainda marcados por uma dissonância entre o que quer ser dito e uma forma ainda por se encontrar, belos poemas em que o tom memorialístico é a tônica. Nele, o verso de Drummond “Tua memória, pasto de poesia” se desdobra sem que o eco do poeta itabirano se imponha como um exemplo da famosa “angústia da influência” de que fala Harold Bloom.

Dividido em quatro partes, Moinho tem uma unidade que impressiona para um estreante. Na primeira, intitulada “Nascente”, a voz de Balbino recupera, em imagens muitas vezes belíssimas, o passado de uma cidade sua, inominada porque desnecessário, já que existe dentro dele com seus personagens familiares e suas paisagens da infância. Quando falo em imagens belíssimas, lembro-me de que algumas permaneceram na memória, mesmo depois do livro terminado. Do poema “Latências de amor”, ficaram os seguintes versos: “Mas a lua acariciava as matas; / e as grotas daquelas noites / gemiam, gemiam, / enquanto nos leitos contidos, / leitos das casas esparsas, / moços e moças queimavam / como em lamparina o pavio.

Do poema “Poética floral”, quando o poema fala de um amor especial, colhido por um jovem em meio aos “amores-perfeitos da mata”, ressalta a límpida estrofe que segue: “Das flores que ali brotavam / (Entre cores o roxo exala), / viceja somente o perfume / de violetas violadas.”

Das quatro partes do livro, talvez seja essa a que mais emociona o leitor, pois tematiza a viagem do homem do interior para a grande cidade e do que da pequena cidade ainda fica guardado na alma de quem se busca no mundo, representado, na parte seguinte, pelo rio que deságua no mar, no mar do Rio de Janeiro. Não é à toa que ela se chama “Ruínas ao sol”. Ruínas de dois personagens – Branca e Marcos – batizados com esses nomes na primeira parte do livro a que voltamos agora para lembrar ao leitor que preste atenção nos poemas “Batismo I” e “Batismo II”.

A última parte se compõe de poemas extensos, com versos caudalosos plenos de um vigor inesperado para quem se deliciava com o tom interior de tudo que se leu antes. São poemas quase que apocalípticos, dionisíacos, diria mesmo quase bíblicos. O poeta quer se libertar da ação do tempo passado e construir um tempo mais que presente, necessariamente futuro. É isso que ele nos diz no poema “Um modo”: “Minha alma é secular / como o meu corpo. / Quer copular antes da morte / que os come. /(...) / A beleza do mundo me embeleza; / me põe diante de um espelho e seus reflexos: / me vejo bonito de amar-me. / (...) / Minha alma e meu corpo já são velhos / e fazem trejeitos desde muito antes da arca / na sua promiscuidade sobre as águas: / (...) / Sou filho da terra, da pedra em pó, / do pó que me redime nas narinas de Deus; / sou filho da era, já não mais pagã, / moído como Eva pela dor de um parto. / Minhas mãos auscultam o cabo da enxada / e meus filhos nascem sobre a terra em dor.”

O premente desejo de viver permeia os poemas dessa última parte, e o poeta a ele se entrega, entregando-nos um belo fim de livro que é o começo de uma vida que deseja se afirmar e que afirma a força do verso e da poesia. Parabéns, Evaldo. A luta começou na conquista segura e arguta da palavra.  

 

(* Apresentação à 1ª edição do livro de poesias Moinho. Belo Horizonte: Scriptum, 2006. Título criado para este site.)

 

 

O moinhodeusTempo triturando*

 

Dr. Fernando Ferreira da Cunha Neto

 

 

Este é o primeiro, dentre os rebentos de Evaldo Balbino, que nos chega às mãos. Moinho, criação humana, forma rotunda, inventividade-marca impressa ancestralmente em nossos sentidos. Ele está na circularidade do tempo-dia, que amanhece, entardecesse, anoitece para, de novo, renascer. O mesmo movimento-tempo está arraigado em nossa concepção de existência: efemeridade pregressa, intra-uterina, nascimento, crescimento, envelhecimento, morte – o pó? As pás deste moinho nos tracionam e nos fazem girar, em uma busca incansável do humano, seus sentidos-segredos, só vazados através dos cristais-estilhaços, o máximo que a insuficiência da linguagem nos pode prover.

Em sua primeira parte, a roda deste moinho-tempo gira em direção a um antigo que nos chega através das fracas-fortes luzes de candeias. A querosene produz a fumaça que encobre o ontem. Mas são as mesmas tênues chamas que nos encenam a mulher vestida de chita, o banco de madeira no qual se senta o homem e nele “a dor se esquece”. Neste mesmo tempo-vento, mãos ainda atiravam sementes à terra, esperando a florescência. Rapazes e moças no cio, em suas alcovas-matas, buscando as saídas por onde emergirem. O canto de Balbino é o de um antigo-memória, as fímbrias líquidas, em roda espalhadas pelo senhor absoluto, o Tempo.

Na segunda parte, “Ruínas ao sol”, como o burrico insistente que faz girar a nora, prosseguem as pás em sua inexorabilidade. A luz-escrita, da qual se vale o sujeito poético, é outra daquela que aparece no primeiro segmento do livro. É chegado o tempo em que “[...] as máquinas foram chegando/ e /profanando o campo humano”. As lamparinas foram apagadas-silenciadas, e os olhos da vila vêem o neon que se espraia do alto dos postes de concreto. Mãos que antes revolviam searas férteis e colhiam espigas, agora golpeiam as áridas e infrutíferas pedras. É neste mesmo segmento que o sujeito poético, um tanto cansado de ver os campos que cultiva estéreis, quer mirar outras paragens. Do cenário de montes-colinas, recortados por serras, para a miragem líquida – imensidão aquosa do mar: “Concordo, meu filho, não nego: nosso mundo é muito pequeno”. Ao final destas “Ruínas”, adormece a pedra-roda que, antes, produzira tênue luz amarela, “[...] o fubá dourado, /, /que outrora era a própria luz”. É como se as pás do velho moinho tivessem cessado seu giro para dar lugar a outra(s) roda(s), mais veloz(es)?

O que parecera extinguir-se na segunda parte de Moinho se nos ressurge em “Mar” e com um novo frêmito. Sons de campanas estridentes, o vaivém insistente de águas tortuosas, muito diferentes do fluxo, ainda que por vezes em corredeira, do rio à beira do qual os homens semeavam pão, flores e ilusão. Mesmo em meio à cidade, em seus “[...] braços de rio a correr”, a imensidão aquosa de “Mar” cede lugar ao rio, pequenino, o lá da aldeia, onde, provavelmente, ainda habita o Ser do sujeito lírico. A cidade por onde paira o olhar poético é sugada pelo giro de um outro moinho-tempo que, embora eletrizado, metaforiza uma necessidade, visceral, de extrair algo do invisível e intocável passar do inano tempo, humano. Neste ambiente, a voz poética nos leva para uma margem-abismo de adversidades. Ainda assim, o sibilar de balas e o escuro dos uniformes da força policial são transmutados em versos, mesmo que destes, por obra do tempo dos homens, escorra um invisível sangue em direção à mãe terra. Nosso sujeito poético é o flaneur que serpenteia por acidentados montes onde se cravam barracos. É também os olhos que capturam a jovem, cabelos indômitos ao vento, em desabalada fuga pelas ruas da maior metrópole do país. Ao final deste seu “Mar”, nosso eu lírico retorna às margens da grande forma líquida a interrogá-la: “Como, nas águas profundas, / achar pérolas fabulosas / e o grito de alguma voz?”. Ele já o respondera. As pérolas fabulosas são os fracos filetes de luz que atravessam os poros dos versos que o sujeito poético lavra.

Na última parte da obra, “Cimento Assovio”, o fascínio, prenhe de certa tragicidade, do sujeito lírico de Moinho pelo inclemente ceifar do Tempo-foice, revolve-se em certa luminescência otimista, que os versos de “Um modo” assinalam: “Quero minha juventude, / a jamais perdida, / o que antes da ausência/ é um sentido [...] / formando um globo com o seu norte”. “Clareira”, o fecho de Moinho, anuncia, a despeito de o espectro da morte habitar as matas que entrevemos, o sonido da roda, de novo, a chiar: “Vivamos, / mesmo que os moinhos estejam mortos / e o que se trituram / são apenas sonhos. / Vivamos, / mesmo que os corpos se amontoem/ pelas ruas da cidade”.

Em seu movimento pendular, o sujeito poético de Moinho quer ver uma nova aurora. Porque vê-la é acreditar em tênues fímbrias, ainda que estas sejam as marcas – digitais – que o Tempo-Deus gravou sobre faces sulcadas, lábios lavrados, pêlos-peles enristados.  Olhos que buscam por luzes fugazes de lamparinas, pelos roçados e caminhos serpenteiam, em uma fé incomum, no poder que os versos têm.

 

(* Prefácio à 1ª edição do livro de poesias Moinho. Belo Horizonte: Scriptum, 2006. p. 9-11.)

 

 

Memória e ruína na estréia poética de Evaldo Balbino*

 

(Dr. Rogério Barbosa / Dr. Wagner Moreira)

 

 

Com o título de Moinho, este conjunto poético foi premiado com o terceiro lugar no Concurso Edital Estímulo às Artes – Literatura 2005, promovido pelo Suplemento Literário de Minas Gerais em parceria com a Fundação Clóvis Salgado. O poeta Evaldo Balbino, doutor em literatura comparada, apresenta-se aos leitores em sua primeira incursão artística, com uma poesia firme e que diz o que nela se faz trânsito através dos espaços da memória e da ruína. Por meio de uma linguagem limpa e de caráter simbólico, dá-se a perceber o sujeito ficcional, consciente de sua condição fragmentada na duração da existência. É por meio do movimento de lucidez que a voz poética nos inicia em um universo tipicamente rural em “Nascente”.

Aqui, o tempo parece perder-se no ir e vir das cenas cotidianas, impulsionando o eu para outro espaço, “Ruínas ao sol”. Neste novo lugar, instaura-se uma fissura no eu, algo irreversível em sua beleza aterradora, gerando um saber: “uma pedra sobre águas que o tempo não pára”. É no vislumbrar a dança de uma pedra sobre o movimento das águas que a poesia de Balbino se encaminha para o próximo plano, o “Mar”.

Neste lugar, “As vozes se misturam, se abraçam, se atracam”, deixando aflorar uma vitalidade emblemática, enigmática, que tanto demonstra uma necessidade de uma realização transcendente quanto de uma atualização terrena. Isso em consonância com o imaginário urbano de um Rio de Janeiro singular, metrópole-mar, alegoria que arrebata e impele a criação dessa escrita para um desfecho em retalhos, em “Cimento Assovio” última parte do livro de poemas , “deslizando serpentinamente e à deriva” para uma possibilidade elíptica de se atirar sobre si mesmo. O discurso poético afirma outro modo de se estar aí, uma maneira de caminhar ousada, sem perder as referências já experimentadas. Essa a bela e firme estréia poética de Evaldo Balbino.

 

(* Resenha para o livro Moinho. Belo Horizonte: Scriptum, 2006.)

 

 

Em “Retrato”, Evaldo Balbino compõe imagens, traços, moldura do que se guardou na memória. Entre o silêncio do esquecimento e a lembrança, guarda-se no verbo sabores e saberes. O rancho pequeno, o fubá dourado, os milhos fartos são suaves melancolias. O moinho destituído desse arrolamento saudoso de coisas simples é uma pedra. Se o passado vive de passos e de vozes, sem pessoas e sem canções não há poesia. Se o tempo não pára, além da pedra existe a palavra triturada no moinho da poesia.

 

(Dra. Lyslei Nascimento. “Diz um antigo livro judaico, o Zohar, que em cada palavra brilham muitas luzes. In: Revista Magis – Cadernos de fé e cultura, número 46, setembro de 2004, ISSN nº 1676-7748, p. 46-53.) – Comentário aos poemas “Retrato” (ainda inédito em livro) e “Moinho” (extraído do livro Moinho).

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